A sociologia nasce como ciência ao mesmo tempo que a vida em sociedade começa a se organizar de uma nova forma. Neste novo modo de organizar a vida, observa-se uma profunda transformação nas relações de trabalho, marcada agora por uma relação contratual de trabalho, concomitante à crença na ideia de progresso.
A sociologia nasce e firma-se como uma tentativa de compreensão de situações novas, criadas pela então nascente sociedade capitalista. Por isto, o século 19 é particularmente importante não somente para o pensamento ocidental quanto para o surgimento da sociologia. Neste sentido, a revolução industrial pode ser considerada um marco significativo para esta ciência, uma vez que ela instaura novas formas de organizar a vida social. A introdução das máquinas na produção não apenas destruiu o artesão independente, que antes possuía somente um pequeno pedaço de terra cultivado nos seus momentos livres. Este foi submetido a uma severa disciplina, a novas formas de conduta diante das relações de trabalho, completamente diferentes das vividas anteriormente por eles (no auge da revolução industrial, os trabalhadores passam a cumprir uma jornada de até 16 horas de trabalho diário).
A transformação da atividade artesanal em manufatureira e, por último, em atividade fabril desencadeou uma maciça emigração do campo para a cidade, assim como engajou mulheres e crianças em jornadas de trabalho de pelo menos 12 horas, sem férias e feriados, ganhando um salário para a subsistência. Grandes cidades industriais da Inglaterra (berço da revolução industrial), como Manchester, passaram por mudanças radicais na demografia (migração do rural para o urbano), sem possuir, no entanto, uma estrutura de moradias, de serviços sanitários, de saúde etc, capaz de acolher a população que se desloca para a cidade, a fim de trabalhar nas fábricas.
A sociologia diz respeito então a um conjunto de conceitos, de técnicas e de métodos de investigação produzidos para explicar a vida social. É também uma ciência que busca a compreensão e a transformação do real. Além da revolução industrial, outras duas revoluções marcam o surgimento da sociologia como ciência: a revolução do conhecimento e a revolução burguesa. A partir destas três ordens de transformação na sociedade, a sociologia se estabelece como uma disciplina importante para qualquer pessoa comprometida com uma forma de ação na sociedade.
Mas mais do que uma ação, a sociologia é marcada por uma tentativa de compreensão da dinâmica da própria sociedade. Por isto o século 19 é marcado pelo surgimento das ciências sociais e outras disciplinas que tentarão entender a sociedade, o homem e a cultura.
E quais foram as consequências dessas transformações para uma disciplina que estava se formando? No campo mais geral, este aumento progressivo de população redundou no surgimento de alguns problemas sociais que antes não se tinha notícia, tais como: acréscimo da prostituição, do suicídio, do alcoolismo, do infanticídio, da criminalidade, da violência etc. Estas transformações consolidam a sociologia como ciência, uma vez que todos estes problemas transformam-se em valiosos objetos de investigação. Sendo assim, a própria sociedade passa a se constituir em um problema sociológico. Não é por mero acaso que a sociologia, enquanto instrumento de análise, inexistia nas relativamente estáveis sociedades pré-capitalistas, já que o ritmo e o nível das mudanças que aí se verificavam não chegavam a colocar a sociedade como um problema a ser investigado.
Assim, pode-se afirmar que os problemas decorrentes da revolução industrial – a rápida expansão das cidades e dos cortiços, a imigração em massa, os deslocamentos populacionais, o rompimento dos costumes tradicionais e o resultante desnorteamento das pessoas envolvidas neste processo – ensejaram um grande volume de pesquisa sociológica (BERGER, 1986, p. 12).
O sociólogo passa a ser aquele que buscará compreender a realidade social de uma maneira disciplinada, uma vez que esta atividade possui uma natureza científica. Compreender a realidade na qual se está inserido exige então um rigor metodológico, ferramenta útil para instrumentalizar a análise do sociólogo dentro de um quadro de referências científicas, como, por exemplo, a tentativa de olhar a realidade que se observa a partir de um ponto de vista relativamente objetivo, imparcial, livre de preconceitos pessoais etc.
Por outro lado, como diria Berger (1986, p. 26), a metodologia não constitui uma meta em si mesma para o sociólogo, mas sim em um artifício que lhe permite compreender a sociedade. Visando compreender a sociedade, ou o segmento da sociedade que ele estiver estudando no momento, o sociólogo lançará mão de vários meios de análise, como a abordagem quantitativa (estatísticas, análises macrossociológicas), como também a abordagem qualitativa (estudos de caso, entrevistas, estudos de trajetórias, enfim, análises mais voltadas para a microssociologia).
O meio para investigar o problema de natureza social cabe à orientação teórica do sociólogo:
(…) o que interessa é a curiosidade de que é tomado qualquer sociólogo diante de uma porta fechada atrás da qual ouçam vozes humanas. Se ele for um bom sociólogo, desejará abrir aquela porta, compreender aquelas vozes. Por trás de cada porta fechada ele imaginará uma nova faceta de vida humana ainda não percebida nem entendida (BERGER, 1986, p. 28-29).
As ciências sociais se interessará pela educação e, consequentemente, pela escola, a partir do momento em que Émile Durkheim (1858-1917), considerado o “pai fundador da sociologia da educação”, defenderá o argumento de que é por meio da educação que se mantêm certos laços sociais nas sociedades modernas, além dela cumprir três funções essenciais na sociedade:
a) Desenvolver o senso de disciplina e, com ela, o respeito às hierarquias;
b) Desenvolver o sentimento de pertencimento a um grupo;
c) Desenvolver a autonomia individual dos sujeitos.
Assim, a educação se organiza enquanto instituição, de acordo com a concepção de Durkheim, para realizar esta função moralizadora da sociedade. A educação deve criar no homem um ser novo. Isto porque o homem nasce como uma tábula rasa e cabe à sociedade agregar ao ser individual uma natureza moral e social. Seria a educação a agência de socialização responsável por imprimir no homem as marcas do social, marcas estas que representariam um conjunto de regras, valores, comportamentos, atitudes etc., essenciais para a manutenção do equilíbrio da sociedade.
No Brasil, a sociologia da educação foi oficialmente incorporada nos currículos secundários entre 1925 e 1928 (Colégio Pedro II, escolas oficiais do Exército e institutos de educação). O propósito era dotar os alunos de um “espírito científico”. No período do Estado Novo e da ditadura militar, a sociologia da educação sofre um certo refluxo e é temporariamente retirada dos currículos do ensino médio. Após 1942, a disciplina passa a integrar o currículo dos estabelecimentos públicos em caráter optativo. A partir da década de 1940, a sociologia da educação se “academiciza” e passa a formar os primeiros bacharéis da área de ciências sociais. O projeto da disciplina para o período era o de que esta ajudaria a enfrentar alguns problemas sociais emergentes, criados pelas mudanças sociais em processo: crescente industrialização da economia, urbanização da população, expansão do proletariado, desenvolvimento das classes médias etc.
O governo militar representou o alijamento da sociologia nas esferas estatais de análises aplicadas, mas também a repressão e a censura na própria universidade. Nas teses do MEC (1976-1978), dos 226 trabalhos de sociologia, apenas 13 (ou seja, 5,7%) tinham a educação como tema central. Propagou-se a ideia, nos anos de 1970, de que as ciências sociais “interessadas” seriam de segunda linha (DIAS DA SILVA, 2002). Atualmente a disciplina sociologia da educação compõe o currículo obrigatório dos cursos de licenciatura e de pedagogia das faculdades de educação. A relação educação e sociedade, produto da disciplina, retorna à cena educacional com a inclusão da sociologia como disciplina obrigatória no ensino médio, segundo o Parecer nº 38 do CNE assinado em 2006.
A importância da disciplina que se academiciza no país ainda em um passado não muito distante é importante, uma vez que o avanço das ciências sociais ampliou as possibilidades de entendimento das relações entre escola e sociedade (SOUZA, 2007, p. 11). Para tanto, o autor, parafraseando Wright Mills, diz como as sociedades modernas se transformam rapidamente e, com isso, a vida das pessoas fica submetida
às injunções de novos contextos, novos problemas, trazendo um sentimento de incerteza. Mills acreditava que eram as ciências sociais que poderiam ajudar no desenvolvimento dessa imaginação “sociológica”:
“(…) o que precisam é uma qualidade de espírito que lhes ajude a usar a informação e a desenvolver a razão, a fim de perceber, com lucidez, o que pode estar acontecendo dentro deles mesmos” (MILLS, 1982, p. 11).
Souza (2007, p. 13), ao evocar Mills, lembra as várias possibilidades que o uso da imaginação sociológica pode trazer ao indivíduo: compreender a relação entre sua vida particular e a história, elucidar como um indivíduo singular se situa na relação com outras singularidades
dentro de determinado período histórico e perceber as possibilidades que podem ser compartilhadas entre eles. Possuir imaginação sociológica é ser capaz de transitar de um lado a outro da relação entre indivíduo e sociedade e ser capaz de compreender tanto o lugar dos
indivíduos como agentes na estrutura social quanto o que essa estrutura faz aos indivíduos (SOUZA, 2007, p. 13).
Publicado em: Sociologia da Educação. CUNHA, M.A.A. (Editora UFMG)